sábado, 27 de novembro de 2010
Polícia Comunitária do Japão - Koban
bom exemplo
Policiamento comunitário no Japão: um case de sucesso na segurança
Kobans, a polícia cidadã do Japão
Modelo de patrulhamento comunitário de Tóquio é aprovado por moradores, impressiona turistas e já começa a ser exportado
UM POLICIAL de bicicleta na frente de um koban em Tóquio: ação nas ruas não se limita a reprimir crimes
Por Claudia Sarmento, do GLOBO
Correspondente em Tóquio
Determinadas áreas
de Tóquio dão a impressão de
que você desembarcou em al-
gum outro planeta onde a civi-
lização já está num estágio mais
avançado. Mas, para um brasi-
leiro, talvez o mais marcante
não seja a alta tecnologia pre-
sente nas tarefas banais do dia-
a-dia ou o visual das pessoas,
um degrau acima do que conhe-
cemos por modernidade. O
mais impressionante é a sensa-
ção de segurança no meio do
caos urbano. Perdeu a carteira?
Calma. A chance de encontrá-la
intacta no posto policial mais
próximo é bem maior do que na
maioria das grandes capitais
mundiais. O Japão tem baixos
índices de criminalidade, e um
dos pontos centrais da política
de segurança pública — um fa-
tor que atrai especialistas de
vários países — é o policiamen-
to comunitário.
O sistema de kobans, criado
há mais de cem anos, é uma
experiência que deu certo e
faz parte da rotina dos japone-
ses. São pequenos postos po-
liciais espalhados por todo o
país, cujo princípio básico é
prevenir crimes e acidentes.
Confiança é a
marca do serviço
Os policiais não estão ali ape-
nas para garantir a ordem. Eles
prestam serviços não emergen-
ciais. Se alguém se perde e não
consegue achar um endereço
— coisa que acontece o tempo
todo em Tóquio porque a maio-
ria das ruas não tem nome —, é
só procurar uma koban. Os po-
liciais têm um mapa detalhado
da região. Se o pneu de um car-
ro ou de uma bicicleta furou,
eles ajudam. Guardam também
objetos perdidos, de celulares
de última geração a prosaicos
guarda-chuvas. Nas horas va-
gas, é comum ensinarem algum
esporte para as crianças nas es-
colas locais. E assim estabele-
cem uma relação de confiança
com a população que permite a
troca de informações, fazendo
dos moradores agentes de se-
gurança voluntários.
“Os policiais comunitários
estão sempre muito visíveis e
isso não apenas ajuda a preve-
nir crimes, como faz a popula-
ção sentir a existência da po-
lícia muito próxima de suas vi-
das. Os agentes devem mergu-
lhar na situação da segurança
de suas áreas e ouvir opiniões,
pedidos e preocupações dos
moradores, além de colaborar
com as autoridades munici-
pais”, explica o site oficial da
Agência de Polícia Nacional.
— Em outras palavras, no Ja-
pão, o policial mostra a cara,
não é uma figura distante. O mo-
rador sabe quem ele é e sua pro-
ximidade muda a percepção que
a população tem das forças de
segurança. A polícia mostra à
sociedade que existe uma lei e
que segurança pública é um pro-
blema de todos, e todos podem
ajudar — resume o paulista Zare
Ferragi, especialista em segu-
rança pública que está fazendo
seu doutorado no Japão e estu-
dando o policiamento comunitá-
rio, um modelo já exportado,
por exemplo, para lugares tão
distintos quanto Cingapura e o
estado de São Paulo.
Existem seis mil kobans es-
palhadas pelo Japão, além de
sete mil chuzaishos, que se-
riam kobans das áreas rurais,
nos quais os policiais moram
no mesmo local em que traba-
lham. Numa koban, atuam
poucos homens: entre três e
cinco em média, mobilizando
cerca de 30% do total da cor-
poração. Nos chuzaishos, há
apenas um agente. As esta-
ções policiais maiores são
bem equipadas e fortemente
armadas, como seria de se es-
perar num país rico, mas os
policiais comunitários circu-
lam, geralmente, a pé ou em
bicicletas bastante simples,
brancas, para fazer o patrulha-
mento. Eles ajudam a contro-
lar o trânsito nas horas mais
movimentadas e fazem visitas
periódicas às casas e ao co-
mércio de cada região, mon-
tando um mapeamento com-
pleto da vizinhança. Sabem
quem mora e quem trabalha
na área de sua jurisdição —
que nunca é muito extensa —
e também onde estão os pos-
síveis focos de problema.
Polícia de SP faz
intercâmbio
A repressão policial no Ja-
pão é rigorosa, mas numa ko-
ban o atendimento à popula-
ção é, em geral, respeitoso.
Mesmo para um estrangeiro,
que não fala fluentemente a
língua, a sensação de que vo-
cê é um inimigo em potencial
ou um estorvo — tão comum
em delegacias de várias par-
tes do mundo — não é a re-
gra. Outro hábito que não
passa desapercebido para
um brasileiro — crianças pe-
quenas, às vezes com menos
de 7 anos, indo para a escola
sozinhas, a pé ou de metrô
— é garantido por essa rela-
ção entre polícia e comuni-
dade. Na hora da entrada e
da saída das escolas, volun-
tários ficam de olho no itine-
rário dos menores.
— Os cidadãos ajudam nes-
sa patrulha. Se alguém vê algo
errado ou suspeito, informa
para a koban. Esse é um ser-
viço muito comum entre as
pessoas mais idosas, aposen-
tadas — explica Zare, lem-
brando que em qualquer lu-
gar do mundo existe corrup-
ção policial, mas no Japão os
casos se concentram nas esfe-
ras mais altas da corporação.
— O policial comum, aquele
que está em contato com o
público, tem uma boa ima-
gem, conta com respeito da
população e não vai se sujar
por qualquer coisa. E, além
disso, recebem salários que
permitem que vivam com dig-
nidade — acrescenta.
Desde o ano passado, Tóquio
passou a permitir a presença de
mulheres entre os policiais que
trabalham nas kobans no turno
da noite, quando ocorrências
violentas são mais comuns. Há
poucas policiais femininas, cer-
ca de 2.300, o que representa 5%
do total no país. Mas era uma
reivindicação dos moradores da
capital, que queriam a presença
das policiais para atender casos
em que a vítima de um crime é
mulher. Em junho, 11 PMs de
São Paulo fizeram um programa
de intercâmbio no Japão para
ver de perto os fundamentos da
polícia japonesa.
Foto: REUTERS/ Yuriko Nakao
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